"O PACTO" (Joe Hill)

O som dos insetos enchia a cabeça de Ig, era exatamente o som de sua dor de cabeça, de sua loucura, de seu ódio esclarecedor. Um trecho do Apocalipse veio à sua mente: "Da fumaça saíram gafanhotos que vieram sobre a terra". Os gafanhotos vinham de tempos em tempos para foder e morrer. Lee Tourneau era um inseto, em nada melhor que um gafanhoto - pior, na verdade. A parte de foder ele já tinha feito, agora podia morrer. Ig iria ajudá-lo.

Pag. 138

O Pacto, lançamento da editora Sextante, é o novo livro de Joe Hill. Para quem não sabe o autor é filho do mestre do horror, Stephen King, e vem se destacando na literatura fantástica. 

Pensei que encontraria um livro de terror, com todos os horrores que um demônio é capaz de executar, mas não, encontrei a história de um homem atormentado, cheio de conflitos pessoais e que agora tem que aprender a lidar com seus ressentimentos e poderes sobrenaturais.

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Ig Perrish passou a noite bêbado e fazendo coisas horríveis. Tomou um porre daqueles. Acordou na manhã seguinte sentindo-se um lixo, estava enjoado e sua cabeça parecia que ia explodir. Levou as mãos às têmporas e sentiu algo estranho, um par de protuberâncias pontiagudas e sensíveis.

Olhou para seu reflexo no espelho e viu que tinha criado chifres. O susto foi tão grande que pela segunda vez em 12 horas, mijou nos próprios pés.

Tentou se lembrar o que fizera na noite passada... Ele estava tão bêbado. Tinha mijado na Virgem Maria. Tinha pisoteado e mijado na cruz. Tinha mijado abundantemente sobre os próprios pés e rido disso. Talvez isso fosse blasfêmia suficiente. Ele precisava de ajuda, aquilo não podia estar acontecendo. 

A ressaca estava de matar e ele só podia estar alucinando. Mas não, os chifres eram reais e o horror estava apenas começando. Eles tinham o poder de instigar qualquer pessoa, que batesse os olhos naqueles cornos terríveis, a confidenciar suas transgressões, perversões e desejos mais obscuros, além de pedirem permissão para realizá-los. Um impulso desenfreado de dizer a verdade e admitir o inconfessável.

Ig já teve tudo...uma família abastada, amigos, um irmão que era uma estrela de TV e a namorada perfeita, Marrin. Como se não bastasse perder seu amor e levar uma vida miserável...agora ele tinha chifres.

Marrin era linda, foi o primeiro e único amor de Ig. Se conheceram na adolescência e entre eles nasceu um amor puro, mas dez anos depois foram separados por uma tragédia brutal. Há um ano Merrin fora assassinada e ele não conseguia superar sua ausência e os olhares de acusação. Ig era o principal suspeito e foi acusado pelo assassinato de Marrin, mas nunca foi julgado por falta de provas. Aos olhos da comunidade ele era culpado e saíra impune. 

Ele foi desprezado por Deus, por sua família e amigos...menos pelo diabo. Deus nunca ouviu as preces de Ig, mas o diabo veio ao seu encontro. 

Os olhos de Ig foram abertos para o que se esconde na alma de todos e descobriu que há um preço a pagar por seus desejos.

Cuidado com o que deseja...o demônio sempre vem para o acerto de contas.

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Ig Perrish é um personagem cativante, principalmente por levar uma vida tão ordinária...sente ódio, revolta, vive tomando porres e namora com mulheres vulgares. E mesmo todo danado consegue ter boas intenções. Mesmo sendo a suposta encarnação do diabo na terra, Ig é bondoso e às vezes covarde. 

Demônio com dor na consciência, bondade no coração e medo? Não é o que eu esperava.

Para mim, ele deveria ser mal, assumir seu lado sombrio e aterrorizar todos que pisaram no seu calo. Mas não, Ig é pacifico. Poucas vezes Ig dá vasão a seus impulsos malignos, só é cruel em momentos de fúria e descontrole. A única sombra  pecaminosa que paira sobre Ig é seu desejo ferrenho de vingança contra o assassino de Marrin. Eu estranhei um pouco essa concepção do autor com relação ao demônio que Ig se tornou. Muito bonzinho e ponderado para o meu gosto. Eu queria ver o circo pegar fogo.

O autor lança mão de flashbacks para nos apresentar o passado de vários personagens.

A narrativa é descontraída, cheia de diálogos irônicos, humor mordaz e um linguajar insolente. Ele não hesita em criticar a religião, exaltar o demônio e escrever obscenidades. Não percebi a intenção de chocar  ou afrontar os leitores, principalmente os religiosos, mas também não está preocupado se o fizer . Nesse ponto tenho que admitir...Joe Hill arrasa.

Desde o inicio, o Diabo e as mulheres se uniram contra Deus, desde quando Satanás, na forma de uma serpente, se aproximou do primeiro homem e sussurrou no ouvido de Adão que a verdadeira felicidade não estava nas preces, mas sim na  bQ[£t@ de Eva.

Pag. 191

O Pacto  não é um livro de terror, é a história de um homem comum que teve sua fé abalada por uma tragédia pessoal e por isso deve carregar o estigma do demônio...chifres.  Um livro divertido e provocante, mas que também foca a natureza humana e leva o leitor a refletir.

Hill, Joe. O Pacto. Sextante, 2010. 319 p.