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Digno de Nota

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

“CÃO”– Boudica (Manda Scott)

…cada parte do corpo de Breaca se fixara nas duas cruzes recém-fabricadas que se erguiam isoladas no canto nordeste da cidade… Era impossível olhar para outro lugar, naquele momento, era impossível pensar. Cunomar dissera exatamente isso, em um raro momento de sinceridade, quando voltara de Roma; que por mais que tentássemos imaginar o pior para torná-lo suportável, por mais que criássemos os pesadelos e os destruíssemos, a presença sólida de uma cruz perturbava o mundo.
Pág. 229

Manda Scott, mais uma vez nos leva à Britânia tribal e conduz o leitor por um mundo de guerreiros e videntes, onde o sonho de se libertar do jugo romano continua vivo. Conheça “Cão”, terceiro livro da série Boudica.
~~~*~~~
(Pode conter spoiler para quem não leu os outros livros da série)

O ano era 57 d.C:

Nero era o novo imperador de Roma, homem sem compaixão, para quem uma terra e seu povo nada significavam. A Britânia sangrava à sombra das Legiões e, Breaca, também conhecida como Boudica, saciava sua sede de vingança caçando o inimigo sozinha.
Boudica continuava disposta a morrer para expulsar Roma e, ao se esgueirar pelos acampamentos matando oficiais das hostes romanas, mantinha viva sua ameaça e se tornava cada vez mais temida e odiada pelo inimigo. 
A tribo Icene definhava sob a opressão dos romanos. Havia chegado a hora de Breaca liderar sua tribo na luta contra o exército ocupante, pois as vozes dos espíritos ancestrais profetizavam sobre morte e escravidão.

A guerra era inevitável, mas os icenos estavam resignados e perderam a força necessária para resistir. Antes de lutar contra Roma, Boudica teria que reconquistar a confiança e despertar a coragem no coração de seu povo, conseguir armas e guerreiros dispostos a lutar por uma liberdade que não conheciam mais.

Além-mar, Valérius – meio-irmão de Boudica – vive exilado na Hibérnia. Odiado pelas tribos e considerado um traidor de Roma, Valérius se tornou um humilde ferreiro e travava uma batalha interna para afugentar os fantasmas do passado. Porém, os deuses não o deixariam esquivar-se de seu verdadeiro destino. Eles se reconciliaram com o homem que caminhava entre o passado e o presente; que um dia foi Bán, mas que hoje prefere ser Valérius.

Breaca e Valérius estavam há muito tempo separados e cheios de rancor. Nenhum dos dois poderia prosseguir assim para sempre. O mundo muda e, para salvar seu povo e toda Britânia, eles precisariam mudar também.
~~~*~~~
Nesse terceiro livro presenciamos um dos momentos de maior instabilidade entre as tribos britânicas. Após 14 anos anos de invasão, o Império Romano conseguiu fragilizar as forças de resistência. A Britânia está dividida entre tribos que desejam lutar pela liberdade e tribos que se renderam a opressão de Roma.
“Cão” não é somente sobre batalhas em campo aberto e combate corpo a corpo, nesse livro acompanhamos a luta de Breaca para conter seu ódio, engolir seu orgulho e esperar o momento certo para reagir. Foi angustiante acompanhar Breaca nessa etapa de sua vida, toda dor e revolta que não podem ser extravasadas são transmitidas ao leitor.

Os filhos de Breaca – Cunomar e Graine – cresceram como personagens e são essenciais no desenvolvimento da trama. Cunomar inicia o livro como criança e termina como um guereiro digno de lutar ao lado da mãe. Graine é uma criança que nasceu com o dom da visão e suas profecias são poderosas. Sofri muito por eles nesse livro. Confesso que o final foi cruel…difícil de superar.

Bán é maravilhoso, ele foi o personagem que passou por mais transformações ao longo da série. (Não consigo chamá-lo de Valérius, pois para mim ele sempre será o menino Bán). Adorei acompanhar seu reencontro com os deuses e a descoberta de sua visão.

Alguém já se perguntou porque os títulos dos livros se referem a animais? Já comentei nas resenhas de "Águia" e "Touro" que o toque fantástico da série é sobre a magia dos druidas, videntes e rituais pagãos; mas não falei da importância dos animais dentro desse contexto. Eles são o reflexo das entidades divinas e o fio condutor que une o vidente aos deuses. A cada página a autora ilustra o amor e respeito das tribos pelos animais, principalmente pelos cães e cavalos. É impossível esquecer o cão de guerra Hail e Crow, o cavalo demoníaco de Bán. Eles não são apenas peças marcantes da história…são personagens.

Adoro a narrativa de Manda Scott, ela transmite com muita veracidade sua própria visão dos acontecimentos. Suas descrições são carregadas de emoção...quase pude ouvir o canto da lança, sentir o aroma da banha de urso, das ervas queimando ao fogo e o medo opressivo do flagelo.
Cão é uma história marcada pela dominação e abusos cometidos por aqueles que acreditam ser superiores, mas também nos fala sobre dor, revolta, superação e perdão.

Scott, Manda. Cão. Record, 2011. 584p. (Boudica, Vol. 3 ) 
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